segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Manifestou-se em Outra Forma

5ª Reflexão Sobre o Cristo Ressurreto

E depois manifestou-se de outra forma a dois deles, que iam de caminho para o campo. – Marcos 16:12

A passagem bíblica acima refere-se ao encontro de Jesus com dois discípulos à caminho de Emaús. Emaús representava uma pequena aldeia próxima de Jerusalém, cujo nome significa “pôr do sol”. Para lá caminhavam aqueles dois discípulos. Não apenas na direção daquela cidade como também rumo ao pôr do sol do arrefecimento das esperanças e da falta de sentido para a vida. Jesus vai ao encontro deles a fim de trazê-los de volta aos sonhos originais. Ele se revela a eles de outra forma.

Não sabemos ao certo sobre qual forma seria essa mencionada por Marcos. Mas ao que parece, isso estaria muito mais relacionado à forma de abordá-los do que em relação aos aspectos físicos e corpóreos. Não creio portanto que essa forma diga respeito a alguma intenção de Jesus de transfigurar-se diante deles como o fez no Monte da Transfiguração. Penso então que isso se refira à maneira necessária de se apresentar a dois discípulos no caminho da desilusão, frustração e tristeza.

Pensando nessa linha, sua manifestação teria de levar em conta o estado emocional em que se encontravam. Eles estavam realmente abatidos e sem esperança alguma. Cuidadosamente Jesus se aproxima não revelando-se imediatamente como o Cristo ressurreto. Ele quer ter a certeza de que seus amigos serão conduzidos seguramente por um caminho onde possam alicerçar sua fé a partir de então. Nada melhor, portanto, do que um processo que culmine em uma revelação profunda e consistente. Somente assim seus discípulos voltariam a enxergar o que era realmente importante.

Seus olhos estavam como que fechados e não conseguiam reconhecê-lo. A profunda tristeza havia cegado o entendimento. Jesus teria de começar pelo começo, a fim de remover-lhes a venda dos olhos.

Primeiro, deixaria que eles contassem sua versão da forma como viam e percebiam todas as coisas. Ele lhes pergunta a razão de estarem tristes e sobre o quê conversavam no caminho. Admirados pela suposta ignorância dos fatos, eles o questionam acerca disso. Instigando-os ainda mais, Jesus lhes pergunta: “Quais?” – referindo-se aos acontecimentos de que falavam. A partir daí então começam a narrar.

Aprendemos com essa estratégia de Cristo a deixar as pessoas falarem do que viram e testificaram. Por enquanto falam dos fatos e de detalhes concretos de tudo que puderam presenciar. Depois elas entram no campo dos sentimentos. Desabafam sobre o que aqueles fatos produziram na alma. Compartilham sinceramente acerca das suas tristezas e frustrações. É a hora em que abrem o coração e derramam todas as suas queixas e até mesmo suas irritações. Em algum momento, porém, há de se descobrir um fio de esperança ou uma luz no fim do túnel. Uma descoberta feita não pelo conselheiro, mas pela própria pessoa que expõe os fatos. Isso se deu com eles quando falaram da crucificação, expuseram a frustração de não tê-lo mais como o possível libertador do jugo romano para o povo de Israel, mas, a despeito de tudo isso e das lágrimas derramadas, admitiram ter ouvido que as mulheres testificaram da ressurreição.

Jesus assume a partir daí. Colocou o dedo na ferida e mostrou-lhes a causa de tamanha tristeza. O problema estava no fato de que eles eram néscios e tardos de coração. Por partes, néscio quer dizer: sem instrução, sem discernimento, sem sentido, sem coerência, sem competência, ignorante, estúpido, incapaz, inepto, bronco, lerdo. Foram chamados também de tardos de coração, ou seja, tardios em perceber as coisas espirituais que se discernem no coração.

Parece uma interrupção abrupta daquele processo suave que estava em operação até então. Mas Jesus sabia que precisava livra-los da auto-comiseração e das lamentações infindáveis que não nos leva a lugar algum. Era como se Ele os estivesse sacudindo e dizendo-lhes: “Acordem depressa! Percebam o perigo!”

Na verdade o que para eles seria apenas um fiozinho de esperança pelo fato de terem ouvido algum testemunho das mulheres, deveria ser, no entanto, a grande rocha de convicção, não pelo que elas disseram depois e sim pelo que os profetas já vinham anunciando muitos e muitos anos atrás. Por isso foram tidos como pessoas sem discernimento e tardios em perceber as coisas.

Não somos diferentes deles. Coisas escritas, anunciadas e pregadas tantas e tantas vezes, ainda parecem incógnitas para muitos de nós. Sem detença, Jesus ministrou-lhes a Palavra, firme fundamento da nossa fé. Elas nos revelam não apenas o que as mulheres estavam dizendo mas os fatos verdadeiros como Deus sempre disse.

O processo até aqui constou de três momentos principais: a permissão para o esvaziamento das queixas através do compartilhar dos pontos de vista, a identificação do problema que girava em torno da falta de discernimento e da demora em se perceber as coisas espirituais, e, por último, o enchimento do vaso através da ministração da Palavra de Deus.

Mas a obra não estava completa. Faltava-lhes uma experiência pessoal com o Cristo ressurreto. Ele estava ali mas não era percebido. Podiam até vê-lo nas Escrituras mas não de pé ali diante deles – em carne e osso.
Também não é diferente em nosso caso. Às vezes conhecemos muito da Bíblia e até nos emocionamos com os escritos, mas eles continuam sendo letras e não gente. O Cristo anunciado por Moisés e pelos profetas estava ali em pessoa. Como não percebê-lo?

Ao mencionar que seguiria adiante, Jesus foi convidado a ficar com eles aquela noite. Mesmo ainda de olhos fechados, não podiam deixar de perceber que aquela presença era especial. Muito mais especial, no entanto, se tornou depois do partir do pão. Ninguém fazia aquilo como Ele. Tantas e tantas refeições juntos e inúmeros momentos de intimidade entre amigos que seria impossível não reconhecê-lo.

O que quero dizer é que Jesus não foi identificado enquanto os olhos daqueles dois estavam obstruídos pela desilusão e pela falta de perspectiva. Liberaram suas frustrações e começaram a ser curados. Vislumbraram saídas, ainda que meio sem certezas absolutas. Foram sacudidos pela admoestação amorosa mas firme acerca do quanto trafegavam pelo caminho dos néscios e dos tardos de coração. Foram mergulhados no oceano das Escrituras Sagradas e viram nelas o Cristo de quem tanto sentiam falta. Mas foi ao partir do pão que seus olhos realmente abriram.

Creio que a palavra chave aqui seria “relacionamento”. Parte-se o pão em ambientes de convivência, entre pessoas íntimas e amigas. Jesus era o amigo íntimo que comia e andava com eles. Por mais que fosse difícil entender a Bíblia, tudo ficou fácil, muito fácil, quando essa Bíblia se tornou uma pessoa que se relacionava com as outras pessoas na informalidade e na naturalidade - sem religiosidade e sem ritualismos.

Seus olhos se abriram mas Ele desapareceu. Por que? Porque agora não precisavam mais dEle em carne e osso. Se fosse assim eles levariam grande vantagem sobre aqueles que não tiveram o mesmo privilégio de vê-lo em pessoa. Vantagem sobre nós do século 21 e de todos os outros séculos antes e depois dele.

Mas ele está vivo! Eu e você sabemos disso. Apenas precisamos vê-lo para além das Escrituras Sagradas. Vê-lo em meu cotidiano, andando comigo e se revelando nas coisas simples da vida.

Desejo que seja essa a sua experiência também.

Wilson Maia dos Santos

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